terça-feira, 5 de novembro de 2013

Pedra Só




Pedra Só
Pedra Só. A solidão da pedra? A unidade da pedra? A pedra em desamparo? Pedra Só.
Pedra Só é livro e é lugar. Tópos de poemas e algarobeiras. De poemas e aboios. De poemas e centauros. De poemas e mitos.
Pedra Só. Epígrafe roseana de autores que se desencontraram. Um, antes do tempo. O outro, tempos depois. Mas que num Sertão inencontrável o encontro está sempre marcado.
XII
Sertão, cartillha e dicionário
que recupera o fôlego do ser
e laça as águas do momento
que escorregavam da memória.

Sertão, coisa de espírito mesmo:
o nome incrustado no âmago.

No Sertão, o princípio do enigma,
o galope para dentro do redemoinho,
e na garupa alforjes de couro
bordados com a chama do  amor.

O Sertão encourando os primeiros saberes...

Pedra Só é também homem & mulher. A copular entre taipas calientes. Em couros de curtumes antigos e recentes.
V
Um dia, faz tempo,
Na Ribeira do Traipu,
no país das Alagoas,
meu corpo, bezerro sedento,
cheirava tuas coxas.

Meu sexo adolescente
passeava em tuas águas intensas,
meu sexo tacheando teu enxoval.

Pedra Só é também posfácio. De homem que se faz poeta. Do poeta que não é completo, mas que é completamente poeta.
Pedra Só que contamina. Que faz-se também em inspiração. Que vira musa, mas não musa etérea. Musa chã, de carnadura canção.
À mulher do poeta da Pedra Só
E a mulher envelhecida,
Gasta de tanto uso,
De tantos homens,

Reterá na memória
Tanto falo
Tanto espargir de unto
Tanta glória
De envaidecida feminilidade?


erre amaral

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

A propósito do otimismo & pessimismo & realismo




As polêmicas são inúteis, estar de antemão de um lado ou do outro é um erro, sobretudo se ouvirmos a conversa como uma polêmica, se a virmos como um jogo em que alguém ganha e alguém perde. O diálogo tem que ser uma pesquisa e pouco importa que a verdade saia da boca de um ou da de outro. Tratei de pensar, ao conversar, que é indiferente que eu tenha razão ou que tenha razão o senhor; o importante é chegar a uma conclusão, e de que lado da mesa vem isso, ou de que boca, ou de que rosto, ou a partir de que nome, é o de menos.
 Jorge Luis Borges

Buscando ater-me à lição sugerida por esta bela e exata epígrafe, retirada de um diálogo entretido por Borges e Osvaldo Ferrari, outro escritor argentino, gostaria de problematizar a tríade otimismo/pessimismo/realismo.
Em Grande Sertão: Veredas é possível verificar duas visões de mundo curiosas: a de Riobaldo, traduzida por seu indefectível bordão: “Viver é muito perigoso”; e a de Diadorim, mediante a sua emblemática exortação: “Carece de ter coragem”.
Tais frases, obsessivamente repetidas ao longo da obra maior do escritor mineiro Guimarães Rosa, traduzem-se, de forma adensada, em duas atitudes possíveis de o ser humano encarar sua existência no mundo: de maneira antitética, ou seja, tendo o mundo como adversário, o que implica a assunção de certo heroísmo, certo pôr-se em armas para o enfrentamento da difícil tarefa de viver. Ou de maneira sintética: não tomando o mundo como inimigo, mas como uma condição inescapável, inelutável, de cujo necessário encontro resultam alegrias e/ou tristezas, a felicidade e/ou a miséria.
Pergunto-me: quem é o pessimista e o otimista: Riobaldo com seu “viver é perigoso” ou Diadorim com seu “carece de ter coragem”?
Inegavelmente, a atitude belicista de Riobaldo implica num constante, necessário, porém cansativo, exercício de certa hermenêutica da suspeita sobre o mundo. Em outras palavras, a atitude riobaldiana em relação à mundanidade é sempre crítica, desconfiada, iconoclasta, conforme orientam os grandes mestres dessa linhagem: Nietzsche, Freud e Marx.
Já Diadorim é adepta de certa hermenêutica da afirmação ou do acolhimento. Ou seja, do desarmar-se diante da equivocidade de como a existência mundana se nos apresenta, para que ouçamos o que ela tem a nos dizer e, dessa forma, aquiescer em sua inexata compreensão. Para tanto, ao invés de tão somente ficarmos abrigados em indevassável (e inútil) fortaleza a lançar dardos sobre os perigos do mundo, exercitar também a coragem de ir ao seu (des) encontro, transbordante, trágico, imponderável.
Otimismo e pessimismo, a meu ver, não são os outros da realidade ou do realismo. Ser otimista ou ser pessimista são modos de encarar determinada realidade ou realismo. Ambos, o otimista e o pessimista têm uma visão realista do mundo, a diferença está na maneira como cada um deles encara a realidade ou o realismo do mundo: sendo otimista ou pessimista e colhendo os sabores e os dissabores daí decorrentes.