Não sei se Borges leu Coração das Trevas, mas se ele queria um autêntico exemplo de uma
romance de aventura: ei-lo, Conrad o escreveu! Trata-se de uma obra que nos
mobiliza do começo ao fim, a bordo de um vapor em direção ao Congo, no coração
da África.
A narrativa é introduzida por um narrador inominado,
que ao lado de alguns companheiros, aguarda a mudança da maré para poder zarpar
na iole de cruzeiro Nellie. A longa
espera é a oportunidade para que o relato seja delegado a Marlow, o verdadeiro
narrador, que irá contar a sua saga em direção ao coração das trevas africano,
em busca de resgatar o misterioso e enigmático Kurtz.
“E tudo isso para comandar um vaporzinho ordinário,
subindo e descendo o rio ao som de um apito de metal! Parece, porém, que eu era
um dos envolvidos na Obra, com maiúscula – sabem como é. Algo como o emissário
da luz, uma espécie inferior de apóstolo” (p. 23).
Esta edição da Companhia das Letras traz também um
conto de Conrad, anterior ao romance, chamado “Um posto avançado do progresso”.
Nele é relatado a breve glória e o longo infortúnio de dois personagens Kayerts
e Carlier, responsáveis por tomarem conta de um posto comercial em plena selva africana.
O que a solidão, o medo, o tempo por passar e a distância da intimidade com a
terra natal podem provocar a um ser humano!
“Pegaram aqueles restos de romances, e, como nunca
tinham lido nada do tipo, surpreenderam-se e acharam graça. E então, por longos
dias a fio, travavam conversas tolas e intermináveis sobre enredos e
personagens. No centro da África, foram apresentados a Richelieu e a
D´Artagnan, a Olho de Falcão e ao Pai Goriot, e a muitas outras pessoas” (p.
132).
Veja-se a incrível proximidade deste trecho do conto
de Conrad, com esta passagem narrada por Riobaldo, em Grande Sertão: Veredas: “Mas o dono do sítio, que não sabia ler nem
escrever, assim mesmo possuía um livro, capeado em couro, que se chamava o
‘Senclér das Ilhas’, e que pedi para deletrear nos meus descansos. Foi o
primeiro desses que encontrei, de romance porque antes eu só tinha conhecido
livros de estudo. Nele achei outras verdades, muito extraordinárias” (p. 396).
(trad. Sergio Flaksman) (Companhia das Letras)
ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. 19 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
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