quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Esperando Godot, Samuel Beckett



Maurice Blanchot, em A parte do fogo, declara: “Kafka quis destruir sua obra, talvez porque esta lhe parecesse condenada a aumentar o mal-entendido universal” (p. 9). Parodiando às avessas, declaro: “Beckett nunca quis destruir sua obra, certamente por que esta lhe pareceu condenada a aumentar o mal-entendido universal”.
Esperando Godot, embora hoje bem menos que quando de seu lançamento, em razão das idas e vindas de possibilidades interpretativas sobre ele realizadas desde então, é o exercício do absurdo e da incongruência em sua plenitude. Mas nem essa afirmação com ares de um definitivo intelectualismo é justa com a condição humana espremida desde as páginas da espera, tanto longa quanto inútil, de Vladimir e Estragon, de Pozzo e Lucky.
Por quê? Porque pensar na condição humana desde uma equação simplificada em que 2 + 2 é = a 4, é que são os autênticos absurdo e incongruência. A leitura e a releitura de Esperando Godot, com sua ausência de enredo, com sua inapetência para a ação, com seu lacônico epílogo sem uma indicação teleológica, nos remete, inevitavelmente, ao nonsense que, em última instância, se constitui a nossa existência, depois de experimentados todos os lenitivos e mitigações para que não pensemos friamente sobre nossa humana condição. Quando tal pensamento é experienciado, o que nos resta, a partir de então, é a agonia de uma longa (e inútil?) espera.

“VLADIMIR
Não percamos tempo com palavras vazias. (Pausa. Com veemência) Façamos alguma coisa, enquanto há chance! Não é todo dia que precisam de nós. Ainda que, a bem da verdade, não seja exatamente de nós. Outros dariam conta do recado, tão bem quanto, senão melhor. O apelo que ouvimos se dirige antes a toda humanidade. Mas neste lugar, neste momento, a humanidade toda somos nós, queiramos ou não. Aproveitemos enquanto é tempo. Representar dignamente, uma única vez que seja, a espécie a que estamos desgraçadamente atados pelo destino cruel. O que me diz? (Estragon não fala nada) Claro que, avaliando os prós e contras, de cabeça fria, não chegamos a desmerecer a espécie. Veja o tigre, que se precipita em socorro de seus congêneres, sem a menor hesitação. Ou foge, salva sua pele, embrenhando-se no meio da mata. Mas não é esse o xis da questão. O que estamos fazendo aqui, essa é a questão. Foi-nos dada uma oportunidade de descobrir. Sim, desta imensa confusão, apenas uma coisa está clara: estamos esperando que Godot venha” (p. 160).
(Trad. Fábio de Souza Andrade) (Cosac Naify)

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