domingo, 8 de setembro de 2013

Memória de minha putas tristes, Gabriel García Márquez



Fiquei a meio caminho entre a perplexidade de ter lido um tratado sobre o envelhecimento e o terno sentimento de ter lido uma história de amor, embora anacrônica.
Mas, entre uma coisa e outra, prevaleceram a tristeza e a resignação frente à inexorabilidade da passagem do tempo e da proximidade da morte. Lembrei-me da belíssima Tempo e Artista, de Chico Buarque: “Modelando o artista ao seu feitio/o tempo, com seu lápis impreciso/Põe-lhe rugas ao redor da boca/Como contrapesos de um sorriso”.
Ficou praticamente impossível, neste caso, separar autor e narrador. Vi García Márquez, em seus últimos estertores como escritor, a buscar, na tenra virgindade de Delgadina, uma possibilidade de sobrevida.
Tal sobrevida terá como marca limite de ocorrência a página 127 de uma obra deliciosa. Depois, a eternidade, a cada novo polegar e indicador a folheá-la.
“Uma de minhas lembranças mais felizes é o transtorno que senti certa manhã, como aquela, ao sair da escola. O que está acontecendo comigo? A professora me disse aparvalhada: Ai, menino, não está vendo que são as brisas? Oitenta anos depois tornei a sentir tudo de novo quando despertei na cama de Degaldina, e era mesmo dezembro que voltava pontual com seus céus diáfanos, as tormentas de areia, os torvelinhos da rua que destelhavam a casa e erguiam as saias das colegiais” (p. 83).
(Trad. Eric Nepomuceno) (Record)

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